O Homem no Sistema de Circulação Rodoviária
Como é de todos conhecido, o Homem é considerado o elemento fundamental do sistema de circulação rodoviária e as suas falhas neste constituem as principais causas de sinistralidade.
Um dos princípios gerais consignados na legislação rodoviária consagra que as pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes da via (art. 3º nº2 do Código da Estrada), a partir de agora indicado por (CE).
Sendo os direitos à vida e à integridade física humana invioláveis (Lei Constitucional nº1/2004, de 24 de Julho – 6ª revisão da Constituição da República Portuguesa (CRP), de 2 de Abril de 1976 – artºs 24º e 25º) impõe-se à saciedade, com carácter prioritário, atingir o objectivo de uma maior segurança para os peões.
O Peão
Mas quem deve ser considerado peão para efeitos de trânsito, nos termos do CE, revisto pelo Decreto-Lei nº265-A/2001, de 28 de Setembro?
Em princípio, toda a pessoa singular que anda a pé pelos passeios, pistas, passagens (inclusive superiores e inferiores) a elas destinadas ou, em caso de ausência, pelas bermas das vias públicas (artºs 1º, als. a), m), n), p) e 99º n.º 1 CE).
E ainda, (art.º 104º CE), a pessoa singular que conduza à mão:
- carros de crianças ou de deficientes físicos;
- velocípedes de duas rodas sem carro lateral;
- carros de mão;
- cadeiras de rodas equipadas com motor eléctrico;
- patins, trotinetas ou outros meios de circulação análogos.
Evidentemente que não!
Eles poderão transitar pela faixa de rodagem (artºs 1º, al. f) e 99º n.º 2 CE), nas seguintes situações:
- para efectuar o seu atravessamento;
- na falta ou impossibilidade de utilização de passeios, pistas ou passagens a eles destinados e bermas;
- quando transportem objectos que, pelas suas dimensões ou natureza, constituam perigo para o trânsito dos outros peões;
- nas vias públicas em que esteja proibido o trânsito de veículos; quando sigam em cortejo ou formação organizada sob orientação de monitor.
Posicionamento devido na via pública
Os peões constituem um grupo de risco de utentes do espaço rodoviário detentor de direitos e deveres de cidadania, mormente os mais vulneráveis por integrarem crianças, idosos, invisuais e deficientes. Importa, por isso, evidenciar a atenção social e a protecção jurídica que merecem.
Enunciaremos assim, algumas normas de conduta que visam acautelar a segurança dos peões (art.º 100º CE):
- devem seguir numa única fila (excepto em cortejo ou formação organizada), sempre que transitem na faixa de rodagem, em condições de visibilidade insuficiente e /ou tráfego intenso;
- os menores de 16 anos devem ser impedidos de brincar na faixa de rodagem, por quem os tiver a seu cargo;
- devem transitar pela direita dos locais que lhes são destinados, salvo nas vias públicas onde esteja proibida a circulação de veículos;
- na falta ou impossibilidade de transitar por passeios, pistas, passagens a eles destinados e bermas devem fazê-lo pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, desde que não comprometam a sua segurança;
- quando transportem objectos que possam acarretar perigo para o trânsito de outros peões, também devem seguir a sua marcha pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, sem prejuízo para a respectiva segurança;
- são obrigados a transitar o mais próximo possível do limite da faixa de rodagem excepto, obviamente, quando efectuem o seu atravessamento;
- não devem parar na faixa de rodagem ou utilizar os passeios perturbando o trânsito.
Todavia, nem só os conjuntos de pessoas devem ser objecto deste tipo de protecção, recomendando-se a utilização individual de material luminoso ou retroreflector, designadamente na circulação nocturna.
Chama-se à colação, aliás, a utilização do colete de alta visibilidade, recordando que não obstante o PNPR prever a obrigatoriedade de um único desses equipamentos destinado ao condutor que sai do veículo em plena faixa de rodagem, por motivo de avaria, idêntica prática deve ser seguida por passageiro nessa situação.
Atravessamento da faixa de rodagem
Prosseguindo a análise do disposto no Título III do CE, evidenciemos agora uma das situações de maior perigo para os peões (naturalmente desprotegidos) que têm de coexistir com os condutores de veículos na infra-estrutura rodoviária.
Reportamo-nos à acção de atravessamento da faixa de rodagem pelos peões (artº 101º CE), a qual deve obedecer a cuidados prévios:
- certificarem-se da distância que os separa dos veículos e da velocidade a que seguem;
- atravessarem o mais rapidamente possível;
- fazê-lo nas passagens especialmente sinalizadas para o efeito;
- se não existir passadeira para travessia de peões a uma distância inferior a 50m, fazê-lo perpendicularmente ao eixo da via;
- verificarem sempre se podem executar o atravessamento sem perigo de acidente.
No que respeita ao condutor do veículo:
- deve deixar passar sempre os peões que já tenham iniciado o atravessamento da faixa de rodagem no local a ele destinado e sinalizado;
- ainda que a sinalização lhe permita avançar, ao aproximar-se da passagem para peões deve respeitar o direito de atravessamento daqueles que já o tenham iniciado; (art.º 29º nº1 CE);
- ao mudar de direcção deve ceder sempre a passagem aos peões que estejam a atravessar a faixa de rodagem da via em que vai entrar (artº 146º al. h) CE).
Todavia e sem prejuízo das disposições especiais contidas no mencionado título do Código da Estrada, muitas outras se encontram disseminadas ao longo daquela codificação.
Enumerar-se-á, então, algumas das mais relevantes mas também relativas a diligências a observar pelos condutores:
- adopção de velocidade moderada na aproximação de passagens de peões, escolas, creches, hospitais…, localidades…, aglomeração de pessoas (artºs 25º e 146º al. d) CE);
- proibição de ultrapassagem imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões (art.º 41º nº1 al. d) CE);
- proibição de paragem ou estacionamento a menos de 5m antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões, bem como nos passeios e demais locais destinados ao trânsito de peões (art.º 49º nº1 als. d) e g) CE);
- o condutor deve seguir uma posição de marcha pela direita da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, mantendo destes uma distância que permita evitar o acidente (art.º 13º nº1 CE);
- o condutor pode ultrapassar pela direita do veículo que transite sobre carris, desde que este não utilize esse lado da faixa de rodagem e, estando parado para a entrada e saída de passageiros, exista placa de refúgio para peões (art.º 37º nº2 al. b) CE).
Mau grado a previsão e estatuição sobre atravessamento nas passagens de nível, cruzamentos e entroncamentos serem abordadas no Código da Estrada (artºs 67º e 69º) numa perspectiva do condutor inserido no trânsito em geral, impõem-se deveres de cautela aos peões que transitem nessas vias ou troços, bem como nas situações específicas de atravessamento entre, por trás e pela frente de veículos, mormente de automóveis pesados de mercadorias ou passageiros, dadas as suas maiores dimensões e causa de menor visibilidade, em que os comportamentos de atenção e prudência devem imperar.
E o mesmo se diga em relação ao trânsito de veículos em serviço de urgência (artºs 64º e 65º CE) que implica um especial dever de diligência não só por parte dos respectivos condutores mas também pelos demais utentes da via pública, designadamente os peões, considerando a inevitabilidade embora previsível daquele.
Os sinais dos condutores (sonoros, luminosos, de manobras), dentro e fora das localidades e em casos de circulação nocturna, diurna ou de visibilidade reduzida/insuficiente, (artºs 20º a 23º CE) merecem a maior concentração dos peões, pois dela depende em muito, a sua segurança na via pública.
De forma idêntica, as ordens das autoridades e a sinalização de trânsito (artºs 4º a 7º CE e Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro que aprovou o Regulamento de Sinalização do Trânsito, com a redacção dada pelo Decreto Regulamentar n.º 41/2002, de 20 de Agosto) desempenham um papel fundamental na prevenção da sinistralidade rodoviária.
Metodologia conducente a uma maior segurança para peões
Referente a peões:
- melhor conhecimento das suas carências de deslocação e comportamentos;
- crescente valorização do trânsito pedonal;
- intensificação do saber acerca do circunstancialismo dos acidentes envolvendo peões;
- maior intervenção social na correlação de direitos e deveres de cidadania;
- protecção do interesse cívico;
- cuidado de ver e ser visto;
- precaução de não surpreender nem se deixar surpreender;
- variada comunicação entre os utentes do ambiente rodoviário, maxime, o contacto visual;
- prudente partilha do espaço, orientada pelo respeito, bom senso e cumprimento das normas legais;
- segregação possível da circulação de peões e veículos, com vista à diminuição de atropelamentos;
- aproveitamento da família e da escola para a formação do peão/criança;
- actualização/adaptação do peão idoso ao meio envolvente.
- exercício efectivo de condução defensiva que obrigue a uma circulação responsável para evitar erros, mediante a percepção de comportamentos limitados e/ou inadequados do peão, envolto em circunstancialismos desfavoráveis.
- transposição para o direito interno da Directiva 2003/102/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Novembro, através do Decreto-Lei nº186/2004, de 2 de Agosto que aprovou o Regulamento Relativo à Protecção de Peões e Outros Utentes Vulneráveis da Estrada em caso de Colisão com um Automóvel.
Referente ao ambiente rodoviário:
- medidas de acalmia de tráfego na travessia das localidades; desvio do trânsito para fora das localidades;
- redução de velocidade para 30 Km/h em zonas de maior concentração pedonal;
- multiplicação de trajectos pedonais e melhoria da sua iluminação;
- valorização da infra-estrutura e desobstrução de passeios e caminhos pedonais.
O Homem enquanto condutor, peão e passageiro é inquestionavelmente o principal elemento do sistema de circulação rodoviária, sujeito activo e passivo da maior ou menor segurança e sinistralidade nele existente.
As falhas humanas cometidas no exercício efectivo da condução de veículos, bem como as cometidas por peões em trânsito na via pública constituem factores dominantes dos acidentes de viação com ou sem atropelamentos.
Na optimização das posturas comportamentais e atitudinais do Homem, enquanto ser vivente do habitat rodoviário, reside crucialmente a resposta para a situação epidemiológica de mortos e feridos existentes nas estradas portuguesas.
Também neste vector, a obra de recuperação da credibilidade nacional passa por todos nós. Na verdade, acredita-se que o esforço colectivo de consciencialização cívica e rigor na formação dos utentes da via, conjugado com inovações tecnológicas do veículo, melhoria das infra estruturas e gestão de tráfego poderão contribuir para o deficit de tão grave problema de saúde pública, como é a sinistralidade rodoviária.
Fonte: ANSR